Eu Tu Ele

Ele Tu Eu

[frente à câmera]

Ele

        Sim/ Éramos muito amigos/ Amigos íntimos/ Não sei/ Ele costumava viajar sem avisar ninguém/ Não/ Nem os filhos nem a namorada/ Mas os filhos conheciam seus hábitos e suas manias/ Depressão?/ Não/ Não era depressivo/ Às vezes ficava desanimado como todo mundo/  Mas não passava disso/ Sim éramos muito amigos/ Não/ Não viajávamos juntos/ Ele gostava de viajar sozinho/ Não ele não programava as viagens/ De repente acordava com  vontade de viajar e ia para a estação rodoviária e pegava um ônibus para uma cidade qualquer/ Ou então ia para a estação ferroviária e pegava um trem para qualquer destino/ Quanto tempo?/ Alguns dias/ Às vezes até uma semana/ Não/ Não levava o celular nas viagens/ Drogas? Não/ Não se drogava/ A escrita era a sua droga/ Fazia disparar a sua adrenalina/ Gostava de uma cerveja quando fazia calor/ Ou de um vinho com um bom jantar/ Era uma pessoa arredia/ Mas no fundo era muito caloroso e generoso/ Não/ Não tenho a mínima ideia do que pode ter acontecido com DH/

Tu

        Es sacana deixar os outros assim preocupados/ Né DH?/ Não dás satisfação a ninguém/ Nem às pessoas que amas/ Não queres falar aonde vás né?/ Não/ Não queres que ninguém saiba onde estás/ Es um bicho do mato/ Fazes o que te dá na telha/ Não tens a mínima consideração com os que te amam e se preocupam contigo/ Por que fazes isso?/ Por que queres ficar sozinho?/ Não podes querer que os outros sejam como tu/ Não podes querer ser tão importante para os seres amados quanto os seres amados são para ti/ Não podes transformar essa tua carência em isolamento/ Ou agressividade/ O mundo não gira em torno do teu umbigo/ O mundo é o que é não o que tu queres que seja/ E se es um idealista paga o preço sem pechinchar/ Ser adulto é saber conviver com o mundo/ Sim/ Claro/ Tornar-se adulto significa a perda total do artista/ O abandono dos ideais e dos sonhos/ E claro da luta/ Mas chega de autopiedade/ Chega de/

Eu

        Devem estar loucos me procurando/ Na polícia/ Nos hospitais/ É bom deixá-los um pouco aflitos/ É bom eles sentirem a minha falta/ É bom eles se perguntarem se ainda estou neste mundo ou se já parti para o outro/ De qualquer modo avisando ou não avisando a solidão continua a mesma/ Mesmo com filhos e namorada/ Quando era casado a solidão era a mesma/ Preciso muito do amor dos amados para viver/ Carência desde a infância/ Sobrevivo a essa carência porque escrevo/ Mas escritor é um animal muito vulnerável/ E complicado/ Sou um poço de sentimentos contraditórios/ E às vezes preciso da solitude para afastar a solidão/ Sozinhos quando nascemos sozinhos quando morremos/ Morto?/ Não sei/ Se estiver não quero que achem meu cadáver/ Se estiver vivo?/ Bem continuo a escrever até a exaustão/ Escrever me dá a sensação de que a vida vai além da existência/ Pelos menos enquanto estou na euforia da criação/ Depois da criação é o vazio/ O imenso buraco do absurdo/ Só posso atingir o Absoluto durante a criação literária/ Sim escrever sexar e comer têm gosto de vida par DH/

08-05-22

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